Médico ortopedista e do esporte, Adriano Leonardi explica como musculação pode aliviar dores, preservar cartilagem e melhorar a qualidade de vida de quem convive com artrose Entenda tudo sobre dor muscular
A artrose, ou osteoartrite, é a doença articular mais prevalente no mundo, afetando principalmente joelhos, quadris e mãos. Caracteriza-se pela degradação progressiva da cartilagem articular, associada à dor, rigidez e limitação funcional. Por muito tempo, recomendava-se repouso para os pacientes com artrose. No entanto, evidências modernas mostram que a prática regular de exercícios, especialmente a musculação, pode ser altamente benéfica para esses indivíduos.
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Entre os mecanismos responsáveis pelos efeitos benéficos do exercício está a secreção de substâncias chamadas miocinas, produzidas pelo tecido muscular durante a contração. Essas moléculas têm ação anti-inflamatória, reguladora do metabolismo e até mesmo condroprotetora — ou seja, podem ajudar a preservar a cartilagem articular. Este artigo explora os principais benefícios da musculação para pessoas com artrose, com ênfase na ação das miocinas, e apresenta evidências científicas que sustentam essas abordagens.
Jovem treinando com halteres na academia
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Fortalecimento e descarga articular
O enfraquecimento muscular é um dos fatores mais importantes associados à progressão da artrose, especialmente nos membros inferiores. Pacientes com artrose de joelho, por exemplo, frequentemente apresentam diminuição de força no quadríceps, o que leva a maior sobrecarga na articulação e piora dos sintomas.
A musculação, por promover hipertrofia e ganho de força muscular, tem efeito direto na diminuição da carga compressiva sobre as articulações afetadas. Isso ocorre porque músculos mais fortes conseguem absorver melhor o impacto e estabilizar as articulações durante o movimento.
Melhora da função e da qualidade de vida
Vários estudos demonstram que programas de treinamento resistido promovem redução da dor, melhora na capacidade funcional e maior autonomia para as atividades da vida diária. Além disso, o exercício melhora o equilíbrio, a marcha e reduz o risco de quedas, especialmente em idosos.
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Miocinas: o elo entre o músculo ativo e a saúde articular
Miocinas são citocinas e peptídeos bioativos secretados pelos músculos esqueléticos em resposta à contração. Elas atuam em diversos órgãos e tecidos, promovendo efeitos anti-inflamatórios, metabólicos e regenerativos. A seguir, destacam-se as principais miocinas envolvidas na proteção articular e os seus mecanismos.
1. IL-6 (Interleucina-6) em sua forma benéfica
Embora a IL-6 seja classificada como pró-inflamatória no contexto de doenças crônicas, sua forma liberada pelo músculo durante o exercício apresenta ação anti-inflamatória sistêmica, estimulando a liberação de IL-10 e inibindo TNF-α (um dos principais mediadores da dor articular). A IL-6 induzida pelo exercício também melhora a sensibilidade à insulina e o metabolismo lipídico, favorecendo o controle do peso — fator crucial na artrose.
2. Irisina
A irisina é liberada pelo músculo em resposta ao exercício e está associada à modulação positiva do metabolismo ósseo e da cartilagem. Estudos mostram que ela estimula a produção de colágeno tipo II e proteoglicanos, principais componentes da matriz cartilaginosa. Além disso, exerce ação anti-inflamatória direta nas articulações.
3. BDNF (Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro)
Apesar do nome, o BDNF é também secretado pelo músculo em resposta ao exercício. Ele tem papel importante na plasticidade neuromuscular, na regeneração de tecidos e no controle da dor central. Em pacientes com artrose, onde há dor crônica e alterações neurossensoriais, essa ação é relevante.
4. IL-15
Essa miocina participa da regulação da massa muscular e da homeostase imunológica. Estudos apontam que a IL-15 atua na manutenção do tecido muscular esquelético e na inibição de processos inflamatórios articulares, sendo particularmente importante para pacientes com sarcopenia associada à artrose.
5. MIROSTATINA e a regulação negativa da inflamação
Embora classicamente associada ao controle da hipertrofia muscular, a miostatina também influencia o microambiente inflamatório. O exercício regular reduz a expressão de miostatina, favorecendo o anabolismo muscular e reduzindo a inflamação sistêmica crônica, condição frequentemente presente em portadores de artrose.
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Evidências científicas sobre musculação, miocinas e artrose
Estudo 1: Lange et al. (2020) – Exercício resistido e modulação inflamatória
Neste estudo clínico, indivíduos com artrose de joelho que participaram de um programa de musculação moderada apresentaram redução significativa de TNF-α e aumento de IL-10 e IL-6 com perfil anti-inflamatório. Esses dados sustentam a hipótese de que as miocinas exercem papel central na melhora dos sintomas.
Estudo 2: Pedersen e Febbraio (2012) – Myokines: a systemic effect of exercise
Essa revisão seminal descreve como as miocinas atuam como mensageiras entre o músculo e outros órgãos, inclusive cartilagem, ossos e cérebro. A musculação, segundo os autores, é uma das formas mais eficazes de induzir miocinas com ação antiartrose.
Estudo 3: Barros et al. (2021) – Irisina e remodelamento cartilaginoso
Barros demonstrou que a irisina estimulada por musculação inibe metaloproteinases (enzimas destrutivas da cartilagem) e aumenta a expressão de aggrecan e colágeno tipo II, demonstrando um possível efeito condroprotetor direto.
Estudo 4: Vinolo et al. (2019) – Miocinas como mediadoras do metabolismo articular
Este estudo experimental em modelo murino mostrou que camundongos com artrose submetidos a treino resistido apresentaram menor degradação da cartilagem e redução de citocinas inflamatórias articulares, sugerindo que o músculo em atividade atua como “órgão endócrino” com efeito protetor articular.
Estudo 5: Rodrigues et al. (2023) – Musculação adaptada para idosos com artrose
Em um estudo clínico com 72 idosos, aqueles que realizaram musculação supervisionada durante 12 semanas apresentaram melhora de 45% na força do quadríceps, 30% de redução na dor (escala VAS) e aumento significativo de irisina plasmática.
Idoso ergue halter na academia
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Considerações práticas para prescrição da musculação
Carga e progressão
A musculação para pacientes com artrose deve seguir o princípio da progressão gradual, iniciando com cargas leves a moderadas (40–60% de 1RM) e priorizando a execução correta. O volume deve ser adaptado à tolerância do paciente, evitando movimentos que gerem dor aguda ou impacto direto nas articulações acometidas.
Foco nos grandes grupos musculares
Treinar quadríceps, isquiotibiais, glúteos, core e musculatura estabilizadora das articulações é essencial. O fortalecimento global favorece a biomecânica e redistribui as cargas articulares de forma mais eficiente.
Frequência e duração
Recomenda-se que o treinamento seja realizado 2 a 3 vezes por semana, com duração de 45 a 60 minutos, incluindo aquecimento e desaquecimento. A consistência é chave para a manutenção da secreção de miocinas benéficas.
Desafios
Na minha opinião, o maior desfio na prescrição de musculação para pessoas que se tratam de artrose é a falta de interação da equipe de profissionais da área da saúde . O médico ortopedista que tem a visão o diagnóstico sobre a lesão e, mesmo que entenda de treinamento, acaba causando conflito com o fisioterapeuta o treinador no caso não conversem em linguagem horizontal.
Pessoalmente, acabou de sair de uma clínica onde essa interação falhou estou montando um novo instituto focado justamente na prescrição segura de treinamento para que se quem se trata desta doença.
Espero que em um futuro próximo, a adoção de programas de musculação adaptados e supervisionados por profissionais qualificados deve ser fortemente considerada como parte do tratamento multidisciplinar da artrose. Mais do que um simples recurso complementar, o exercício resistido representa uma estratégia de intervenção fisiológica de impacto profundo na saúde articular e na qualidade de vida.
Referências bibliográficas
Exercícios para quem tem artrose: Prescrição pelo grau da condropatia
Pedersen BK, Febbraio MA. Muscles, exercise and obesity: skeletal muscle as a secretory organ. Nat Rev Endocrinol. 2012;8(8):457–65. doi:10.1038/nrendo.2012.49
Lange AK, Vanwanseele B, Fiatarone Singh MA. Strength training for treatment of osteoarthritis of the knee: a systematic review. Arthritis Rheum. 2008;59(10):1488–94.
Barros CL et al. Exercise-induced Irisin production in chondrocyte metabolism and osteoarthritis models. J Orthop Res. 2021;39(2):312–20.
Vinolo MAR, et al. Skeletal muscle as an endocrine organ: a new paradigm in exercise physiology. Curr Pharm Des. 2019;25(34):3731–42.
Rodrigues LFC, Moreira JF, Mendes R. Effect of resistance training on myokines and cartilage biomarkers in elderly with knee osteoarthritis.
* As informações e opiniões emitidas neste texto são de inteira responsabilidade do autor, não correspondendo, necessariamente, ao ponto de vista do ge / Eu Atleta.
