Pela primeira vez na história dos grandes eventos internacionais de futebol, um país-sede poderá ficar de fora da competição europeia; decisão inédita pode influenciar a Copa do Mundo Pela primeira vez na história dos grandes eventos internacionais de futebol, um país-sede poderá não estar presenta na disputa. Para a próxima Eurocopa, que ocorrerá em 2028, os anfitriões terão que encarar o torneio eliminatório.
Publicada em 22 de maio, a decisão do Comitê Executivo da UEFA determinou que a Euro 2028 reservará apenas duas vagas para anfitriões, sendo que nada menos que quatro países diferentes receberão o torneio.
Definida em 2022, a Eurocopa 2028 terá como sede “Reino Unido e Irlanda”. Na proposta original vencedora da disputa, o Reino Unido apresentava sedes em todos os seus quatro países: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Seis estádios seriam ingleses, com um estádio para cada um dos cinco países restantes, incluindo a República da Irlanda.
No final do ano passado, a Irlanda do Norte teve seu posto de sede removido por não ter apresentado um projeto viável de estádio com pelo menos 30 mil lugares. As opções propostas foram barradas por decisões judiciais e contendas políticas. A ideia mais provável seria a de reformar o estádio Casement Park, casa de um clube de futebol gaélico, inutilizado desde 2013.
Acontece que o nome do estádio homenageia Roger Casement, um mártir da “Revolta da Páscoa”, um levante ocorrido em 1916, que tentou conquistar a independência da Irlanda do Norte do Reino Unido. A possibilidade de uma sede com referência a um ícone separatista irritou partidários das forças unionistas – pró permanência no reino –, que protestou contra a escolha do estádio e prometeu boicote. E assim o Irlanda do Norte ficou de fora das sedes Euro 2028.
Com isso, quatro países ainda esperavam a decisão da UEFA sobre os critérios de classificação para a competição continental. Em uma decisão sem precedentes, a UEFA fará com que todos os quatro países disputem as eliminatórias em grupos diferentes, permitindo que apenas dois deles possam ganhar a vaga automática.
Aleksander Ceferin Euro 2020
Getty Images
Quem vai (e como)?
De todo modo, o critério elaborado para a definição das vagas automáticas acabou por praticamente garantir Inglaterra e País de Gales no certame. Isso porque as duas vagas irão obrigatoriamente para os melhores países no ranking próprio da Eurocopa, o que historicamente registra a Inglaterra na ponta, com o País de Gales na 19ª posição. Com isso, Escócia e Irlanda dependem decisivamente do sucesso dos vizinhos.
Caso um dos dois, Inglaterra ou Gales, fracasse na fase de grupos ou nos play-offs seguintes, possivelmente a Irlanda, cuja sede é o Aviva Stadium, em Dublin, não verá sua seleção nacional na Euro. O país ocupa a 28º posição no ranking da Euro, ligeiramente atrás da Escócia, em 25º.
Caso haja fracasso duplo, Inglaterra e Gales tomam as vagas reservadas para as sedes, deixando também o Hampden Park, de Glasgow, como uma sede sem anfitrião. Portanto, o ideal é que Irlanda conquiste a vaga na bola – o que parece pouco provável pelo histórico recente. A Escócia até participou das duas últimas edições, mas também não tem presença tão constante.
Caso não sejam líderes de um dos 12 grupos das eliminatórias, os dois países precisarão lutar para estar entre os 8 melhores segundos colocados. Esses 20 clubes ganham vaga direta. As últimas 4 vagas são disputadas em um play-off entre os 4 piores segundos colocados das eliminatórias e os 4 eliminados de melhor posição no ranking da Eurocopa.
Caso haja classificação de três ou de todos os países-sede, os play-offs se alteram circunstancialmente, tanto no formato de disputa, quanto na quantidade de participantes (8 ou 12).
Múltiplas sedes e vagas
Em 2000, a Eurocopa teve sede dupla pela primeira vez, sendo realizada entre a Bélgica e os Países Baixos. A edição de 2008 foi disputada na Áustria e na Suíça, e a seguinte, em 2012, na Polônia e na Ucrânia. Voltará também a ter duas sedes em 2032, com Itália e Turquia.
No meio disso, a Eurocopa de 2020 foi marcada pela decisão de disputa em estádios de 13 países diferentes, mas sem garantia de vaga para nenhum. Neste torneio, as sedes de Bulgária, Romênia e Azerbaijão ficaram sem anfitrião, mas o modelo de mais de uma dezena de sedes de certa forma já previa algumas ausências. Por conta da pandemia de Covid-19, as sedes de Bélgica e Irlanda foram removidas.
Na Copa do Mundo FIFA, na tentativa de fortalecer seus pleitos, começaram a ser aventadas candidaturas transcontinentais. Algo que finalmente se consumou para a Copa 2030, quando a competição completará 100 anos de história, que terá como sedes Portugal, Espanha e Marrocos.
Embora a reserva de vagas para anfitriões seja óbvia e justa, nos últimos anos tanto a Eurocopa quanto a Copa do Mundo passaram a ser disputadas por candidaturas de pelo menos três países. Irlanda, Escócia e Gales, inclusive, já haviam apresentado uma proposta conjunta para a Euro 2020.
Com o adendo de que Argentina, Paraguai e Uruguai também receberão um jogo cada, resultado de um acordo pela retirada da candidatura. Algo que ao menos garantiu a abertura da Copa no Estádio Centenário de Montevidéu, onde tudo começou em 1930.
Ao que consta até aqui, todas as seis seleções dos países-sede receberão a vaga automática dos anfitriões, o que gerará uma grande bagunça nos torneios eliminatórios. A não ser que até lá a FIFA tome alguma decisão tão polêmica quanto a da UEFA – muito embora o Mundial tenha o dobro de participantes da Eurocopa (48 x 24).
Gianni Infantino oficializa Marrocos, Portugal e Espanha como sedes da Copa do Mundo de 2030
Fifa
Megaevento: modelo esgotado?
De todo modo, o que se vê é que a UEFA inaugurou uma nova forma de composição de torneios internacionais, justamente em um contexto de candidaturas conjuntas que, para além do interesse em fortalecer as suas propostas, também visam evitar maiores custos na produção do megaevento.
Ao menos desde os anos 1990, os países-sede desempenham grandes esforços e recursos para a adequação de suas praças desportivas aos rígidos critérios da Eurocopa e da Copa do Mundo, com promessas de diversos “legados”. Investimentos que em muitas ocasiões resultaram em questionamentos populares que ganharam força política, como o Brasil bem lembra das arenas multi-uso para a Copa do Mundo de 2014.
A construção de diversos estádios de ponta, de elevados custos de manutenção, também é alvo de críticas até os dias atuais em diversos outros países, como na Coreia do Sul e no Japão (Mundial 2002), em Portugal (Euro 2004) e na África do Sul (Mundial 2010). Há um notável desgaste a ser encarado com esse modelo.
Não à toa, depois dos problemas encarados na “Rússia 2018”, a FIFA passa a privilegiar países autoritários, como “Catar 2022” e “Arábia Saudita 2030”, ou candidaturas múltiplas, como “Canadá, EUA e México 2026” e “Espanha, Marrocos e Portugal 2030”.
O modelo do megaevento esportivo já era severamente questionado em sua proposta original há algum tempo. Hoje, mesmo que muitos países já disponham de arenas aptas, a necessidade de alternância entre os continentes tende a levar a competição para países que não dispõem da mesma infraestrutura esportiva – tampouco urbana.
O precedente aberto pelo Comitê Executivo da UEFA tem potencial de impactar na forma como a FIFA planejará seus próximos torneios. Também poderá desestimular candidaturas conjuntas de três ou mais países, pelo risco de ausência no torneio que recebe. Algo a ser observado nas próximas décadas, se ainda estivermos por aqui.
