Multado por não delatar fraude, ex-Palmeiras e Botafogo era técnico do Patrocinense em partida alvo do inquérito da Polícia Federal. Investigação não comprovou ligação do treinador ao esquema Inter de Limeira 3 x 0 Patrocinense: veja os gols
Ex-Palmeiras e Botafogo, o treinador Estevam Soares, de 68 anos, esteve entre os sete julgados pelo caso de manipulação de resultado da partida entre Patrocinense e Inter de Limeira, válida pela Série D do Campeonato Brasileiro de 2024. A Polícia Federal investigou o jogo, vencido pela Inter por 3 a 0 com três gols no primeiro tempo, após suspeita de irregularidades. Conforme o inquérito, o placar foi armado por pessoas ligadas ao Patrocinense para favorecer apostadores.
Comandante do time mineiro na partida investigada, Estevam foi um dos alvos da investigação, que não comprovou envolvimento direto dele na fraude. Porém, ele foi multado em R$ 20 mil pelo STJD por não ter denunciado as irregularidades ao clube e à federação.
Em entrevista concedida ao ge após o julgamento, Estevam negou que sabia do esquema e disse que só passou a desconfiar de que algo estava errado no fim da passagem dele pelo Patrocinense.
— Já no final, começaram a surgir alguns rumores dentro da própria cidade. A gente ouvia um falar, outro falar. Mas ninguém chegou para mim e falou: ‘pô, professor, vieram tentar me aliciar aqui’. Foi depois da própria denúncia que eu comecei a pôr a cabeça pra pensar, comecei a analisar, comecei a lembrar de lances, a lembrar de acontecimentos.
Estevam Soares em 2020
Agência Estado
“Como é que eu vou denunciar uma coisa que eu não tenho certeza? Eu posso me comprometer. Não sei quem estava por trás, se é que tem quem está por trás”, acrescentou.
EXCLUSIVO: Apostadores investiram R$ 250 mil na Série D do Brasileiro para manipular resultados
RECONSTRUÇÃO: Patrocinense vai eleger nova diretoria após fim das investigações por fraude na Série D
No relatório de conclusão do inquérito, o auditor do STJD Rodrigo Aiache Cordeiro afirmou que trocas de mensagens revelam que Soares tinha conhecimento do esquema. As conversas foram obtidas do celular de Estevam, apreendido pela Polícia Federal no dia 26 de junho de 2024.
Na entrevista, Estevam citou uma dessas conversas, em que teria afirmado a uma guia espiritual dele que as coisas no Patrocinense “estavam meio pesadas”. Ele afirma que, naquele momento, se referia ao momento ruim do time, e não à manipulação de resultados.
— A bagunça é que os caras [os jogadores] estavam na noite, que os caras talvez não estivessem se cuidando. A gente estava discutindo em cima disso, em cima da parte técnica, da parte física, principalmente a parte física, por que havia uns decréscimos em determinados momentos da partida. Mas isso aí [fraude] nunca passou pela cabeça.
Em nota, os advogados de Estevam Soares, Renato Teixeira da Costa e Nanci Butori, destacaram que Estevam “não participou nem se beneficiou de qualquer esquema ilícito” e que recorreu da decisão da Justiça de condená-lo pela omissão, por considerar que não há provas concretas que comprovem que o treinador sabia das irregularidades. Veja o posicionamento na íntegra mais abaixo.
Chegada ao CAP
Em abril de 2024, após três anos afastado do futebol profissional para tratar um problema de saúde, Estevam foi convidado pelo empresário Anderson Ibrahim Rocha, à época dirigente do Patrocinense, para assumir o clube mineiro. Ibrahim está entre os condenados por envolvimento direto na manipulação e foi banido do esporte pelo STJD.
Estevam Soares foi demitido do Patrocinense
Divulgação/Patrocinense
Soares afirma que não desconfiava de qualquer esquema na época e que fez um acordo com Anderson para não se envolver na escolha dos jogadores do elenco.
— Eu combinei com o Anderson que não ia me meter em contratação e ia cuidar só do campo. Porque como estava há três anos afastado do futebol, eu perdi o contato com o jogador. Estava sem a mão, praticamente, para indicar. Falei, ‘então você contrata, você monta, e eu trabalho dentro do campo’.
O jogo contra a Inter de Limeira foi o sexto de Estevam no comando do Patrocinense. Ele conta que, no intervalo, após o Patrocinense sofrer três gols, teve uma discussão acalorada com o zagueiro Richard Bala – outro condenado no processo – no vestiário. Richard fez um gol contra na partida.
— Tecnicamente, ele estava muito mal dentro da partida. Foi por isso que eu o substituí. Não porque eu achei que ele estava em esquema. Eu não pensei nisso. Tecnicamente, ele não me satisfez. Eu substituí. E acabamos brigando.
Dois dias depois do jogo, Estevam foi desligado do clube pela diretoria do Patrocinense, que já havia rompido o contrato com a empresa de Anderson Ibrahim.
Sem clube desde então, Estevam diz que pretende voltar ao futebol e que busca oportunidades no exterior. Ele também afirma que responder ao processo foi um momento traumático da vida que prefere esquecer.
“Isso me fez muito mal, isso me judiou muito. Eu lembro de Patrocínio, e minha cabeça voa, parece que ficou uma marca muito grande. Eu fui para o CAP com o coração do mundo, aberto para fazer um p* de um trabalho”.
Estevam Soares
Paulista de Cafelândia, Estevam Soares é ex-jogador de futebol e chegou a atuar pelo São Paulo na década de 1970. Defensor, foi campeão brasileiro pelo Tricolor em 1977 e, dez anos depois, conquistou a Copa União de 1987 pelo Sport.
Após o fim da carreira de atleta, Estevam se tornou treinador. O auge como técnico ocorreu em 2004, quando conduziu o Palmeiras à quarta posição no Brasileirão. Também trabalhou no Botafogo, Guarani, Ponte Preta e Coritiba e foi um dos comandantes do Atlético de Alagoinhas na campanha do título baiano em 2021.
Estevam Soares foi um dos muitos técnicos a passar pelo Palmeiras
Reprodução
Contratado pelo Patrocinense para a Série D em 2024, ele treinou o clube mineiro em seis partidas, sem conseguir nenhuma vitória. Ele foi demitido após a derrota para a Inter de Limeira, que foi investigada pela Polícia Federal.
Julgamento
O julgamento do “Caso Patrocinense” foi realizado na quinta-feira pela Quarta Comissão Disciplinar do STJD após a conclusão do inquérito comandado pela Polícia Federal. Quatro pessoas foram condenadas por envolvimento direto no esquema, enquanto outras três foram punidas por não terem relatado as irregularidades ao clube ou à federação. Veja um resumo das condenações:
Estevam Soares (técnico): multa de R$ 20 mil por não delatar esquema
Dodô (auxiliar técnico): multa de R$ 10 mil por não delatar esquema
Richard Bala (zagueiro): suspenso por 720 dias e multa de R$ 25 mil por envolvimento direto
Felipe Gama (goleiro): suspenso por 549 dias e multa de R$ 20 mil por envolvimento direto
Dener (lateral): multa de R$ 2,5 mil por não delatar esquema
Anderson Ibrahim Rocha (dirigente): banimento do esporte e multa de R$ 50 mil por envolvimento direto
Marcos Vinícius da Conceição (investidor): banimento do esporte e multa de R$ 25 mil por envolvimento direto
O zagueiro Richard Bala e o goleiro Felipe Gama, que entraram em campo no duelo investigado e tiveram participação direta no resultado da partida, foram suspensos do futebol por 720 e 549 dias, respectivamente, além de pagarem multa. Conforme o STJD, a suspensão de Richard e Felipe é válida para jogos no Brasil e no exterior.
O lateral Dener, que também entrou em campo, foi multado por não ter denunciado o esquema, assim como Rodolfo Santos de Abreu, o Dodô, auxiliar técnico do Patrocinense na Série D do ano passado,
Por fim, o empresário Anderson Ibrahim Rocha, dirigente do CAP na época, e o investidor Marcos Vinícius da Conceição receberam a pena de eliminação, que equivale ao banimento ou afastamento completo da pessoa do esporte, além de multa de R$ 50 mil e R$ 25 mil, respectivamente. Os dois foram identificados como responsáveis pelo agenciamento dos atletas no esquema de manipulação.
A defesa do zagueiro Richard Bala diz que “entende a os fatores e a sentença do STJD”. O ge tenta contato com as as demais pessoas punidas no julgamento.
Com o término das investigações, o Patrocinense dá início à reconstrução do clube de olho na disputa do Módulo 2 do Mineiro. O clube convocou os associados para a eleição da nova diretoria após a renúncia da chapa liderada por Roberto Avatar, presidente do CAP durante o inquérito. Nenhum membro da diretoria do Patrocinense à época foi réu no processo.
Ex-diretor revela bastidores de negociação com suspeitos de manipulação
Polícia Federal investiga jogo do Patrocinense por manipulação de resultados
Polícia Federal/Divulgação
+ Clique aqui e siga o ge Triângulo Mineiro no WhatsApp
O que diz a defesa de Estevam Soares
“A defesa do técnico Estevam Soares esclarece que o STJD reconheceu sua inocência em qualquer manipulação de resultados. Inicialmente denunciado com base no artigo 243-A do CBJD, ele poderia ter sido banido do futebol caso fosse condenado.
No entanto, ficou comprovado que ele não participou nem se beneficiou de qualquer esquema ilícito. Apesar disso, o tribunal aplicou uma multa com base no artigo 191, inciso III, do CBJD, sob o argumento de que ele deveria ter desconfiado da situação e denunciado, mesmo sem provas concretas de seu conhecimento prévio.
A defesa já recorreu dessa decisão, pois a punição se baseia apenas em presunções, sem qualquer evidência de omissão dolosa. Estevam Soares tem uma carreira íntegra e segue comprometido com a justiça e com o futebol.”
Comunicado da diretoria do Patrocinense:
O Clube Atlético Patrocinense (CAP) vem a público esclarecer aos seus torcedores e à população de Patrocínio/MG sobre as recentes notícias divulgadas pela imprensa, que associam o clube a supostos casos de manipulação de resultados em partidas. Tais matérias não correspondem à realidade dos fatos e distorcem os acontecimentos.
Durante o Campeonato Mineiro de 2024, o CAP enfrentou uma grave crise financeira, que culminou em sua desistência da competição por absoluta falta de recursos. Poucas semanas após essa decisão, às vésperas do início do Campeonato Brasileiro Série D, o clube foi procurado pela empresa AIR Agenciamento e Marketing Ltda – Agency Air Golden, representada pelo senhor Anderson Ibrahim Rocha, com uma proposta de parceria desportiva.
A empresa AIR GOLDEN ofereceu um contrato de gestão esportiva no qual se comprometia a assumir o pagamento da folha salarial dos atletas e demais despesas relacionadas às partidas. Em contrapartida, teria a prerrogativa de indicar alguns atletas para compor o elenco do clube. A proposta foi cuidadosamente analisada pelo CAP, pois os recursos oferecidos pela empresa seriam fundamentais para viabilizar a participação no Campeonato Brasileiro Série D.
O contrato foi firmado no dia 1º de abril de 2024, com vigência de seis meses, prorrogáveis por mais 24 meses, caso o clube obtivesse acesso ao Campeonato Brasileiro Série C.
No entanto, durante a disputa da Série D, o CAP identificou comportamentos suspeitos por parte de alguns atletas, indicando possíveis vendas ilegais de lances para casas de apostas. Diante disso, o clube imediatamente acionou a Unidade de Integridade da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), denunciando os fatos.
Paralelamente, o contrato de gestão esportiva com a empresa AIR GOLDEN foi rescindido antecipadamente. Desde então, o CAP tem colaborado ativamente com as autoridades competentes, fornecendo todas as informações solicitadas, participando de audiências no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e prestando esclarecimentos no Senado Federal. Durante essas apurações, ficou evidente que o Clube Atlético Patrocinense foi VÍTIMA de um esquema criminoso conduzido pela empresa AIR GOLDEN, cujo representante, ANDERSON IBRAHIM ROCHA, também participou em sessão do Senado em agosto/2024 sobre as manipulações de resultados por meio de apostas esportivas.
Como consequência dos atos ilícitos praticados pela AIR GOLDEN, o CAP também enfrenta diversas ações trabalhistas devido à inadimplência da empresa em relação ao pagamento dos salários dos atletas e funcionários, uma obrigação que deveria ter sido cumprida pela parceira à época.
Diante do exposto, o Clube Atlético Patrocinense reitera seu compromisso com a transparência e comunica as devidas informações aos seus torcedores e à população de Patrocínio/MG. O clube aguarda a conclusão das investigações pelas autoridades competentes e espera que todos os responsáveis por esses atos sejam devidamente punidos.