Ministro do STF foi criticado por advogado Celso Vendramini por prender bolsonaristas em 2023. Declarações foram em júri em que defendia PMs acusados de homicídio. Moraes nega ter defendido facção. Advogado alega que só comentou o que viu nas redes sociais. Ministro do STF entra com ação contra criminalista que o chamou de advogado de facção
A Justiça de São Paulo condenou o advogado criminalista Celso Vendramini a pagar indenização de R$ 50 mil por danos morais a Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) por tê-lo chamado de “advogado do PCC” durante o júri de dois policiais militares acusados de assassinar dois suspeitos de roubo.
A sentença foi dada em 7 de março deste ano pelo juiz Fauler Felix de Avila, da 39ª Vara Cível. Cabe recurso contra a decisão.
“Configurado o ato ilícito praticado pelo requerido, consistente nas ofensas à honra e à dignidade do autor, bem como o nexo causal entre tal conduta e o abalo moral dela decorrente”, escreveu o magistrado. “O valor pretendido de R$ 50 mil mostra-se adequado e proporcional”.
As declarações de Vendramini ocorreram em 12 de junho de 2023, durante julgamento de dois agentes da Polícia Militar (PM) no Fórum Criminal da Barra Funda, Zona Oeste da capital paulista, e foram gravadas em vídeos e áudios com autorização judicial.
O g1 teve acesso aos áudios nos quais Vendramini, que defendeu os PMs, associou Moraes ao Primeiro Comando da Capital, facção criminosa que atua dentro e fora dos presídios no país (ouça acima).
Moraes não estava participando do júri em São Paulo e nega ter advogado para o PCC (leia mais abaixo). Mesmo assim, o ministro teve o nome citado por Vendramini naquele dia:
Os senhores viram aqui quando eu falei de Alexandre de Moraes, o promotor falou ‘ó, está sendo gravado, hein…’tá querendo me intimidar. Eu não tenho medo não, dele, de ninguém. Me processa, doutor, não me ponha medo, pelo amor de… não tenho medo de ninguém. Que ajudar, doutor. É um indivíduo que tá lá, que foi secretário (inaudível), da PUC de SP, que é advogado do PCC.
“Me processa, doutor”, fala Vendramini ao promotor Leonardo Spina durante a fase de debates. Nessa fase do julgamento, defesa e acusação debatem suas teses para tentar convencer os jurados, que votarão se condenam ou absolvem os réus.
Naquela ocasião, o representante do Ministério Público (MP) acusava dois policiais militares de executarem a tiros dois suspeitos de assalto em 2017. Os rapazes já estavam rendidos e estariam desarmados quando foram abordados, de acordo com a Promotoria.
A defesa dos acusados alegava que seus clientes atiraram nos dois homens porque eles estavam armados e para se defender dos tiros que eles teriam dado antes. Os PMs respondiam ao crime de duplo homicídio em liberdade, mas estavam no plenário. Ao defender a tese de inocência, Vendramini continuou usando Moraes como exemplo:
“O indivíduo que tá lá, que pensa que tá com (inaudível) na PUC de São Paulo, que é advogado do PCC. Tá. E se todo mundo se cala. Se teme pra esse homem. É o Ministério Público, é a magistratura, é a OAB. Ele, quando prendeu em 8 de janeiro aqueles infelizes, não teve audiência de custódia”, diz Vendramini, acusando Moraes. “Não sou bolsonarista. Não tenho nada a ver com Bolsonaro.”
Moraes concede liberdade a mais 90 réus dos atos golpistas de 8 de janeiro
Vendramini também falou no julgamento que o ministro decretou prisões ilegais de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023 em Brasília.
Essas pessoas foram presas e acusadas de golpe de Estado por não aceitarem o resultado das eleições presidenciais que deram vitória a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre Bolsonaro, em 2022.
O promotor chegou a pedir que as acusações do advogado dos PMs contra Moraes constasse na ata do julgamento. A juíza Paula Marie Konno pediu para Vendramini não ofender mais ninguém. Ele respondeu, porém, que poderia falar o que quisesse para defender seus clientes no plenário. E que teria como provar, por meio de informações que circulam na internet, que o ministro do STF foi advogado do PCC.
Por causa do comportamento do advogado, considerado inapropriado e desrespeitoso, podendo influenciar os jurados, a magistrada anulou o julgamento, que foi remarcado para 2024. No novo julgamento, os dois policiais defendidos por Vendramini foram absolvidos da acusação de homicídios pelos jurados.
As gravações com as falas do advogado também foram encaminhas à época para a Polícia Federal (PF) por envolverem acusações contra um ministro do STF. A PF iria investigar o caso na esfera criminal.
Moraes nega ter advogado para PCC
O ministro do STF, Alexandre de Moraes, em imagem de novembro de 2022
Adriano Machado/Reuters
Essa foi a terceira vez que Moraes moveu uma ação contra quem o chamou de advogado do PCC. Em 2017, quando foi sabatinado no Senado antes de se tornar ministro do STF, ele já havia respondido perguntas dos parlamentares negando ter defendido a facção criminosa.
Moraes nega ter sido advogado de facção criminosa e plagiado obra de espanhol
Ele esclareceu que o escritório de advocacia em que trabalhava em São Paulo atendeu a cooperativa de transportes Transcooper em casos relacionados a acidentes de trânsito causados por motoristas.
“Absolutamente nada ficou comprovado em relação ao deputado, à Transcooper, que emprestou a garagem, muito menos nada em relação ao escritório. Primeiro que [o escritório] não sabia da reunião, segundo nada sabia em relação à garagem”, afirmou Moraes em 2017.
Segundo o ministro, em 2014, durante a campanha eleitoral, um deputado estadual de São Paulo pediu a seu irmão, vereador da capital paulista e cooperado da Transcooper, uma garagem emprestada para uma reunião. Na ocasião, estavam presentes na garagem duas pessoas investigadas por ligação com a facção, disse Moraes.
Ele ainda lembrou decisões judiciais de São Paulo que mandaram retirar notícias “caluniosas e difamatórias” sobre o episódio.
O pedido de indenização contra Vendramini foi por Barci de Moraes, escritório de advocacia da família do ministro.
“É a terceira vez que o requerente é vítima das mesmas imputações! A cada ofensa ao seu direito de personalidade no aspecto honra, as consequências são ainda mais gravosas, pois reforçam uma imaginação pública a seu respeito”, informa trecho do pedido de indenização feito pelos advogados de Moraes sobre a acusação de que advogaria para o PCC.
O g1 não conseguiu localizar o advogado de Moraes, para comentar o assunto até a última atualização desta reportagem.
O que diz o criminalista
Criminalista diz que só falou o que ouviu na imprensa e na rede social sobre Moraes
Vendramini foi procurado pela reportagem e gravou um vídeo, publicado em suas redes sociais, para se defender. Veja abaixo trechos da defesa que o advogado fez:
“Acabei dizendo que o Alexandre de Moraes tinha sido advogado do PCC num contexto de debate com o promotor. Nós podemos falar aquilo que é público e notório em nosso país, no tribunal do júri, que eu não cometo crime algum”, fala Vendramini.
“E o promotor, covardemente, colocou na ata que eu tinha ofendido o Alexandre de Moraes, o ministro… e a juíza pegou essa ate e encaminhou lá para o Supremo Tribunal Federal para o gabinete do ministro. Essa frase que eu falei no tribunal do júri não saiu na imprensa, não saiu na mídia, não saiu do plenário. Só tinham oito pessoas dentro do plenário. Não teve repercussão em mídia, em lugar nenhum… e agora me condenam… isso é covardia. Nós vamos reverter isso aí”, prossegue o advogado.
“Quando eu falo em público e notório, eu quero me referir aquilo que foi divulgado pela imprensa e pela mídia social. Foi esse comentário que eu fiz. Eu não afirmei que o ministro seria advogado do PCC. Eu apenas comentei aquilo que saiu na imprensa e na mídia social”, finalizou Vendramini.
Segundo o advogado, a dissolução do Conselho ocorreu uma hora depois de ele falar sobre Moraes.
“A dissolução do Conselho de Sentença não se deu por causa da minha fala sobre Alexandre de Moraes. E sim após uma discussão acalorada entre as partes, promotor e eu, por causa de divergências sobre como eu deveria ler os depoimentos das testemunhas. Porque eu estava lendo em tópicos”, complementou Vendramini por telefone ao g1.
Em 2023, a Justiça de São Paulo havia condenado o advogado a pena de 3 anos de prestação de serviços comunitários e pagamento de 20 salários mínimos por ter feito comentários homofóbicos durante um júri popular em 2019. Entre eles, Vendramini havia dito que “vai ser gay lá na Rússia pra ver o que acontece”. Segundo ele, no entanto, que nega as acusações, a pena foi reduzida para um ano.